Viriato de Barros – Para lá de Alcatraz
Ricardo Riso
Publicado em 2005 pelo Instituto da Biblioteca Nacional e do Livro, “Para lá de Alcatraz – onde os ventos se cruzam” é a segunda obra literária de Viriato de Barros. Natural da Ilha Brava, licenciado em Filologia Germânica pela Faculdade de Letras de Lisboa, ocupou diversos cargos na esfera governamental, conferencista e jornalista, dentre outras atividades. Em 2001, publicou o romance “Identidade”.
Nessa nova incursão pela prosa, durante doze capítulos Viriato de Barros apresenta por meio de um narrador onisciente a trajetória de vida do menino/homem David entrelaçada por experiências nas ilhas de Cabo Verde – Fogo, São Vicente e Santiago – e vivências na diáspora, mais precisamente Portugal e Moçambique. O tempo da narrativa passa-se no período colonial associado ao crescimento das tensões inevitáveis entre metrópoles e colônias do continente africano.
Nesse romance itinerante, chama-nos atenção questões de alteridade no relacionamento com o outro no qual a personagem David se depara ao longo de sua vida. Essas vivências acontecem desde a saída do menino da ilha do Fogo para os estudos liceais em São Vicente, com uma rápida passagem por Santiago. Em São Vicente, o menino depara-se com as variantes dialetais de ilha para ilha da língua materna cabo-verdiana expostas no diálogo a seguir: “- Câ bô dzê ‘fassi’?/ - Pamô?/ - Es tâ fazê troça d’bô. Li nô tâ dzê ‘depressa’./ - Ê quel mé! – insistiu David./ - Nton bá tâ dzê ‘fassi’. D’pôs bô t’oiá...” O menino também sente as diferenças entre as famílias de sua mãe, do Fogo, “mais rural, menos letrada”, e a do pai, de São Vicente, em que “a tia, que era professora, impunha aos sobrinhos que falassem português”, ou seja, “as duas famílias reflectiam a velha oposição entre a gente do campo e a gente da povoação da sua ilha natal, na maneira de estar e lidar com as situações”.
Durante a sua adolescência, a família de David parte para a então Lourenço Marques, Moçambique. Lá, a personagem sente com clareza e espanto a crueldade do racismo que os negros moçambicanos eram submetidos, pois “quando nunca se saiu de Cabo Verde, é difícil perceber o que é racismo. Fica-se com uma ideia vaga do que isso é. Não se imagina o seu efeito nos que são objecto desse tratamento, a violência com que se manifesta”. O narrador descreve várias maneiras como os colonizadores lidam com o racismo de forma escancarada, tais como o “cinema dos pretos”, punições extremas sem justo motivo, afinal, “matar um preto era com matar um bicho”, e o temor ao restringir o acesso dos negros à instrução para evitar que “conscientes da injustiça de toda a situação existente e sustentada nas colónias, os responsáveis da administração colonial receavam sempre a possibilidade, mais tarde ou mais cedo, de subversão do sistema”. Esse receio do colonizador, remete-nos às considerações de Albert Memmi acerca da violência do colonizador diante do colonizado, porque “é preciso explicar a distância que a colonização estabelece entre ele e o colonizado; ora, a fim de justificar-se, é levado a aumentar mais ainda essa distância, a opor irremediavelmente as duas figuras, a sua tão gloriosa, a do colonizado tão desprezível”.
A experiência em Moçambique insere em David a consciência da injustiça do colonialismo em África. Quando parte para a faculdade em Lisboa, a personagem vivencia com certa distância o clima subversivo que começa a dominar a Casa dos Estudantes do Império e a consequente perseguição da PIDE. O narrador demonstra a tensão crescente, o desemprego para os africanos, as discussões motivadas pelas leituras de pensadores de esquerda e a forma como a ditadura salazarista tentava driblar as pressões da comunidade internacional.
Ou seja, são as pequenas experiências de alteridade e do espírito de luta anticolonial descritas com cuidado pelo narrador que trazem interesse à leitura deste “Para lá de Alcatraz – onde os ventos se cruzam”, de Viriato de Barros.
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