O Cão, o Gato e o peixe na grelha
Adaptado por Gociante Patissa
Pelo
menos uma vez na vida, o Cão e o Gato tentaram levar uma vida pacífica. É que
não se justificava mais – entendiam ambos – a rivalidade, quanto mais não fosse
pelo facto de habitarem debaixo do mesmo tecto:
–
Vizinho Cão, consegue dizer-me a razão de sermos inimigos?
–
Para ser sincero, mano Gato, eis uma pergunta que nunca ninguém me soube
explicar! Então, mas porquê a pergunta?
–
Bem, não é nada de especial. Mas…
–
Epá! Acho melhor te afastares. Ir na tua conversa não significa que me
apanhaste a pata, fica já a saber!!!
–
Lá estás tu, ó Cão, com a tua parvoíce! Por acaso te faz mal conversarmos?
–
Digamos que não.
E
a conversa continuou entre inimigos, que aproveitavam bem a saída da dona de
casa para as compras:
–
Você já imaginou, ó Cão, como temos tanto em comum?
–
Será?
–
Claro! Veja só: andamos sobre quatro patas, temos cauda, a mesma ama, somos
solteiros. Então?
–
Estamos juntos mas não estamos misturados, ó Gato!
–
Para quê usar estas palavras que nem são tuas sequer?
Tanta
era a lata do Gato, que ao Cão faltavam argumentos para não acreditar no novo
projecto de paz no lar. Perante tão boas intenções, também já cansado de andar
aos murros com o “baixinho miau”, decidiu aceitar o pacto. Surpresa, porém,
ficou a dona de casa ao notar que, ao contrário do habitual, o Cão e o Gato já
não disputavam a apresentação das boas vindas. «Esses gajos devem ter muita
fome», pensou:
–
Mas vocês ouviram óbito ou quê?
–
NÃO – responderam os ex-inimigos.
–
Mas não vos parece que há paz a mais nesta casa? Então já não brigam? É como
então?
–
Bem… temos algo a dizer, avançou o Gato.
–
Decidimos acabar com a inimizade de longos anos, cuja origem desconhecemos.
–
Têm certeza que é mesmo isto o que querem?
–
Sim! – asseguraram.
O
tempo passava e melhor se entendiam. A ama só olhava admirada o novo fenómeno,
bonito de se apreciar por assim dizer. E sempre que ela saísse, um deles ficava
de Oficial-dia. Geralmente, o Cão fazia o papel de protector físico, enquanto o
gato era electricista. E num belo dia, enquanto a ama aguardava pelo noivo para
um almoço romântico, descobriu ela que algo faltava para os temperos. E:
–
Meus amigos, tenho de sair.
–
Sim, nossa ama!
–
Vocês sabem que nesta casa somos pela responsabilidade.
–
Sim senhora! – confirmavam.
–
Hoje é vez de quem?
–
Do Cão, senhora! – disse o Gato.
–
Pois! Meu cãozinho, toma conta da casa e ajuda o Gato.
–
Sim. A senhora sabe que sempre fui seu amigo e fiel protector físico.
E
dizendo isso, o Cão estendia os braços para mostrar sua mascote de ouro e
fingia sacudir poeira no seu fato novo, mais novo até que a gravata.
–
Não quero encontrar problemas.
–
Sim, senhora. Desde que fizemos o pacto com o Cão, reina tranquilidade – dizia
o Gato.
Meia
hora depois, com fome e gula o Cão dirige-se ao gato:
–
Confrade Gato, tira então um naco do peixe na grelha.
–
Caro Cão, não diga isso nem mesmo a brincar.
–
Gato, então você acha justo aqui suportar o cheiro do grelhado e estar com
fome?
–
Não! Roubar é feio e crime.
E
nesse puxa e não puxa, a boca do Cão fiacva cada vez mais cheia de água até não
aguentar mais. Foi então que pegou na mão do gato, levou-a à grelha beliscando
assim boa parte do peixe, o qual comeu num piscar de olhos, enquanto o Gato
sofria com a dor da mão queimada.
Ao
chegar à casa, a ama reparou a desgraça com o peixe na grelha e chamou ambos
para uma conversa dura e rija. O Cão limitou-se a fazer gestos de fino, dizendo
que, se ao longo dos anos nunca roubou nada, não seria naquele dia que sujaria
a sua reputação por um simples peixe. O Gato, que ainda chorava por causa da
queimadura na mão provocada pelo falso amigo, não teve tempo para se defender e
foi expulso do lar.
Moral
da estória: “muitas vezes o mal vem de quem menos se espera, mas geralmente
paga o pobre”.
Uma vez mais grato, caros amigos, pela divulgação. Saudações de Benguela
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