Maria Helena Sato – Areias e Ramas
Por Ricardo Riso
Há alguns anos que a cabo-verdiana Maria Helena de Morais Sato vive em São Paulo – Brasil, formada em Letras e pós-graduada em Literatura, Comunicação Social, Comunicação Internacional e Recursos Humanos, e possui MBA em Administração. É tradutora juramentada (espanhol, francês e inglês). Sato já tem uma obra extensa, com nove livros de poesia publicados, destacamos, dentre outros: “Bonsais e Haicais” (2000), “Presente do Mar” (2003) e “Caminho Orvalhado” (2004), e em prosa/poesia “O poeta além-vale” (antologia de António Januário Leite), em parceria com Luís Romano (2005).
Em 2006 lançou “Areias e Ramas” pela Edições Subiaco da cidade mineira de Juiz de Fora. Em suas 130 páginas espalham-se 94 poemas mais apresentação da poetisa, e o texto de contracapa ficou a cargo do também cabo-verdiano e radicado no Brasil, Luís Romano, autor de “Famintos”, que sobre o livro afirma: “pela raridade temática e alcance espontâneo, resultou eclética poesia, viva até alcançar tecedura de singular contexto lírico, sem sacrifício da harmonia em si”.
Acompanhando os apontamentos de Romano, percebemos em Maria Helena Sato uma poiesis madura, de amplo domínio da versificação livre, da brevidade dos versos, das formas curtas como o haicai e as quadras, assim como do soneto clássico e da poesia em prosa. Diversidade a serviço da recriação de temáticas consagradas na literatura cabo-verdiana, por uma pena diaspórica que a partir da distância, da sua insularidade, recorre à memória das ilhas para transformá-la em poesia: “Dez lágrimas,/ únicas,/ transbordam./ As demais/ cabem nos mapas”.
Poesia que apresenta a cartografia de Sato, cartografia de memória, por vezes dorida, como em “Seca”: “Silêncio virou,/ descanso – ou descaso?/ Sem você, sorriso, escasso...”; por vezes afetiva, de memória familiar: “De repente a lua/ plena/ não estava mais/ e Joãozinho/ gritou:/ ‘A bola?/ Quem a chutou?’/ Mas logo/ a escura nuvem/ passou!/ Após cada nuvem,/ sempre procuro/ você”.
Cartografia que também é literária, ainda afetiva, na relação com o claridoso Jorge Barbosa no poema dedicado a ele: “Atencioso olhar que me cumprimentava, ele passava por mim e eu sabia o nome daquele homem grande de estatura. Desconhecia, porém, a dimensão maior que carregava. Assim eram nossos encontros, enquanto eu brincava na rua, jogando ringue ou andando de bicicleta – e Jorge Barbosa passava”. Cartografia que recria a partir dos referenciais para sua poesia, como no “Passeio de Anílbal Lopes da Silva com Drummond e Bandeira”: “Longa estrada,/ vida boa,/ Porto Novo/ a Santa Bárbara.../ Muito pó/ muito pó/ muito pó.../ Oh Belarmino/ essa buzina/ olha o caminho/ é uma pedra?/ (...) Estrada/ longa,/ é muito sol,/ é muito sal,/ é muito pó,/ pego atalho,/ um dia só,/ tenho entrada/ garantida,/ vou ver o rei,/ pego atalho/ já estou perto/ de Pasárgada,/ até amanhã/ até amanhã/ até amanhã...” Cartografia a relacionar suas preferências estético-formais a Cabo Verde, como em Haicai: “Certamente, o poeta Bashô encontraria no arquipélago de Cabo Verde motivos para inspiração. Afinal, tudo quanto ele escreveu brotou de outro arquipélago, o Japão.
Cartografia do espaço da memória afetiva em “Mágico no Éden-Park”: “Cartola, gaiola,/ pombo, coelho, gaivota.../ E alguém ainda dirá/ que ninguém vive/ de ilusão!” Cartografia a celebrar o espaço das ilhas, como em “São Vicente”: “A terra quase/ infinita/ luta,/ porque vê,/ pequena ilha/ luta/ porque crê./ Areias/ são ponte/ de espera”.
“Areias e Ramas” surpreende pela lírica leve e afetuosa que Maria Helena Sato trata a sua poesia, de intensa celebração da memória das ilhas nos mais diferentes aspectos expostos de sua vivência, recriação estimulada por quem “sabe que os limites que impõe/ o olhar são limites fingidos, facilmente transgredidos”. Características que a diferenciam, por fim e ao cabo, e a posicionam ao lado de vozes femininas contemporâneas de Cabo Verde, tais como Vera Duarte, Dina Salústio e Carlota de Barros.
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