sábado, julho 02, 2011

José Gabriel Lopes da Silva


Gabriel Mariano – Vida e Morte de João Cabafume





Ricardo Riso


Gabriel Mariano, pseudônimo de José Gabriel Lopes da Silva (18/05/1928 – 18/02/2002) é um nome destacado na história intelectual de Cabo Verde, ora por sua vertente de ensaísta emérito assim constatada nos artigos reunidos em “Cultura Caboverdeana”, ora em homenagens a figuras contestatárias e rebeldes como na poesia dedicada a Mestre Ambrósio e na narrativa a João Cabafume, para além de sua colaboração em publicações como “Claridade” e “Suplemento Cultural” (do jornal “Cabo Verde”, 1958), e participações em variadas antologias de autores africanos.

Por seu caráter de incisiva contestação social, a pequena narrativa de “Vida e Morte de João Cabafume”, que dá título à antologia de contos do autor, componente da coleção Palavra Africana da editora portuguesa Vega, 2001, nos apresenta uma história breve e de vida pungente do personagem-título, personagem-tipo do período colonial, na qual o narrador dialoga conosco chamando a atenção para os descaminhos da vida de João Cabafume (JC): “Moço, entende direito o que te vou contar. João Cabafume não foi um qualquer. Ele não era como um eu, ou como um tu que estendemos as mãos para outro pôr corda. Morreu no meio da baía numa noite de lua cheia. Não, moço, não foi destino. João Cabafume não teve destino. (...) Destino queria matá-lo de fome.”

Logo no primeiro parágrafo o narrador mostra a condição insurrecta do personagem, diferenciando-se de todos, não aceitando o sofrimento imposto que será apresentado ao longo da história. Deparamo-nos com a habilidade narrativa do autor, aumentando a tensão em frases breves e pontuando as injustiças aos menos favorecidos da sociedade, tanto na insensibilidade e na coisificação do ser humano sendo recolhido das ruas – “Pobre chateava as pessoas finas e incomodava os passageiros que desembarcavam. Por isso o senhor Administrador deu ordem para fechar no Albergue toda a criatura que não tinha trabalho. Pobre e cachorro vadio, nenhum podia passear na rua” –, quanto no desprezo da elite local subserviente ao colonizador ao menosprezar seus pares – “Vocês são uns mandriões (...) Porque é que não procuram o que fazer?/ – Dondê trabalho, senhor Administrador?”.

Há a revolta com a ordem estabelecida pela religião do colonizador pregando a renúncia e a resignação na voz da menina Bia, e a rispidez gradativa do diálogo com JC: “– Nhô padre falou que pobre quando morre vai para o céu./ – E rico?/ – Rico... não sei.../ – Rico não vai./ – Rico deve ir.../ – Rico nunca foi./ – Rico bom vai./ – Não tem rico bom, Bia...” Religião esta na qual um padre não acompanha enterro de pobre até o seu fim: “Quando Jacinto morreu seus companheiros mandaram fazer-lhe um caixão. Nhô Padre encomendou o corpo. Mas foi só até ao Cruzeiro porque dinheiro não dava para mais”. Jacinto que morreu por falta de assistência: “Mas hospital não tinha remédios”. Assim como fica latente a desumanidade aos empregados doentes, porque “Sr. Varanda perguntou ao Dr. Cunha ‘se não havia perigo de contágio’. Dr. Cunha disse que ainda não. E Jacinto ficou para fechar o mês”.

JC é insubmisso às agruras da vida, ao destino de seus pares de morrer fraco de fome de tanto trabalhar: “João Cabafume não dava conversa. Ele estava brigando com destino. Destino queria amarrá-lo na sua roda de pobreza. Como tinha amarrado Jacinto e os outros. Vida de trabalho só para comer...” Por isso a insistência do narrador a nos provocar com veemência ao longo do conto: “Entende direito o que estou contando”.

Ao demonstrar as dificuldades do cotidiano do homem durante o colonialismo em uma narrativa mordaz, que “Vida e Morte de João Cabafume” pode ser posto como um dos melhores momentos da prosa cabo-verdiana e de seu autor, Gabriel Mariano.

A NAÇÃO 200 – É com extrema felicidade que parabenizo todo o expediente do A Nação com a chegada desta edição. Aproveito para agradecer a oportunidade de colaborar neste digno espaço do jornalismo cabo-verdiano. Meus sinceros votos de sucesso!




[Resenha publicada no semanário cabo-verdiano A Nação, nº 200, de 30 de junho de 2011, p. 14.]

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